Crónica de Alexandre Honrado | E se Espanha fosse portuguesa?

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E se Espanha fosse portuguesa?

 

Confesso que a minha ligação com o Reino de Espanha tem sido deficiente, pelo menos a comparar com alguns dos países europeus que me marcaram muito e onde ganhei algumas raízes.

Só conhecemos a realidade alheia quando mergulhamos nela, quando somos convidados para casas de outros, mesmo quando até então quase estranhos, que nos servem do que comem e riem e choram sem muretes, mostrando-se como são e recebendo-nos como somos. Passamos a ser desses outros e desses mesmos locais quando casamos ou enterramos alguém que amamos em terra antes estranha, que é quando a terra se faz nossa em símbolos e afetos.

Já me aconteceu isso em pelo menos quatro países da Europa, nos outros passei como turista e creio que já conheço todos, alguns muito mal, mas pelo menos passei por eles, cheirando os seus aromas, provando os seus sabores, olhando para as cores e para as formas como se entendem, sabendo a cor das suas ruas e do seu céu.

De Espanha, agora como aluno universitário – sim, não me canso de aprender! – procuro não só perceber o funcionamento das instituições – no meu caso de grau superior, mas olhando as dos outros graus -, vendo como a plateia leva a sério o que a cátedra produz, e olhando para as matérias com uma surpresa de menino estreante na hora de todas as pré-primárias.

Como sou dos Estudos Culturais e de História, há coisas da História que me fazem deter, para que entenda a sua solidez ou as suas fragilidades culturais.

Uma das interrogações mais comuns que se me deparam é esta: o que seria de Espanha e da Europa sem a fortaleza dos reis católicos – Isabel e Fernando, de Castela e Aragão, baluartes do século XV – e se a história realmente se cumprisse com justiça, se Joana de Trastâmara ou, pejorativamente, Joana a (mal apelidada) Beltraneja, que foi primeiro rainha reinante e depois de jure de Castela, e rainha consorte de Portugal pelo casamento com o seu tio Afonso V, o Rei Cavaleiro, se mantivesse à frente dos destinos de Castela? Joana nasceu infanta de Leão e Castela, sendo jurada princesa das Astúrias e depois, aclamada rainha de Castela à morte do rei Henrique IV, seu pai. Sua mãe, Joana de Avis, ou Joana de Portugal, a filha póstuma de D. Duarte (pois nasceu pouco depois do pai ter morrido) e da rainha-regente D. Leonor, foi rainha de Castela até à sua morte (em 1455).

A Guerra de Sucessão da Coroa de Leão e Castela ditou outro rumo da História e a derrota de Afonso V na batalha de Toro – uma batalha que alguns historiadores sugerem (erradamente) ter acabado num empate técnico – , nas proximidades de Zamora, retirou aos monarcas portugueses as suas pretensões políticas.

Afonso V foi vencido, graças sobretudo aos esforços do Cardeal Mendonza. Todavia, a ideia de um empate surge no inventário dos acontecimentos: a ala do exército comandada pelo príncipe D. João (que viria a reinar como João II de Portugal) ficou invicta, permanecendo os três dias da praxe ocupando o terreno de batalha, sinal da sua vitória. Na realidade, a última fase da batalha registou-se quando as forças de D. João se reorganizaram e voltaram a investir sobre as forças de Fernando de Aragão. O contra-ataque joanista desbaratou as forças isabelinas, assenhoreando-se do campo de batalha. Enquanto isso, os isabelinos recuaram para a proteção das muralhas de Zamora. Conforme era normal pelas regras da guerra à época, o exército permaneceu no campo de batalha desde o dia 2 até ao dia 5 de Março, como sinal inequívoco da vitória. Na realidade, o resultado da batalha foi inconclusivo, mas do ponto de vista estratégico, a batalha de Toro marcou o momento em que se tornou claro que Portugal não tinha forças e nem apoios suficientes para garantir os direitos da princesa Joana à coroa de Castela, assegurando a união das duas coroas sob a égide de um monarca português.

O cardeal Mendonza, uma das figuras da batalha, foi um eclesiástico e político castelhano, um dos melhores exemplos da passagem do mundo medieval para o moderno, ao longo do século XV. Foi o quinto filho de Iñigo López de Mendoza, primeiro marquês de Santilhana e de Catarina Figueroa, e desde o berço foi destinado à carreira eclesiástica. Outra das grandes figuras do empate foi a do Decepado, o alferes-mor Duarte de Almeida que ficou sem as mãos ao defender até à morte a bandeira portuguesa.

A minha dúvida começa então: se os portugueses tivessem, à época, o trono de Castela, resultaria outra Espanha para a história? E dessa Espanha o que se esperaria?

Se estiverem de acordo não me ficarei por aqui e voltarei ao tema. Que me dizem?

 

Alexandre Honrado

Historiador

 

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